Coisas de crianças

Quem tem filhos sabe que eles são mestres em fazer-nos passar vexame. Uma palavra inadequada, um comentário indiscreto, uma pergunta desafiadora, tudo em alto e bom tom e sempre na frente da torcida do Flamengo.

Como tenho estado bastante sozinha com os meus – meu marido tem viajado muito a trabalho – acabo levando-os para todos os lugares aonde vou. Supermercados, farmácias, padarias, hortifrutis…  Se a empregada já foi embora ou se é final de semana, não há escolha: mesmo sob protestos, não posso deixá-los sozinhos, pois ainda são pequenos.

Era um domingo e eu precisava comprar frutas e verduras.Chamei-os.
– Vamos com a mamãe ao mercado, comprar umas frutas bem gostosas para comermos depois do almoço e do jantar e amanhã…
– Obaaaaa! gritou o mais novo, que facilmente se rende a esses apelos.
O mais velho nem se mexeu. Estava “ocupadíssimo”, jogando videogame e nem deve ter me escutado.
– Vamos, meu amor, preciso sair ainda antes do almoço.
– AAAAAAH! Mas eu quero jogar…
– Você joga quando voltarmos.
– Mas… precisa ser agora?
– Sim, precisa. Vamos, você tem muito tempo hoje para isso.
Cara de totalmente contrariado.
– Vamos, assim você escolhe algo gostoso para seu lanche da escola.
Contrariedade levemente atenuada.

Fomos os três e rapidamente compramos o que precisávamos. E o que não precisávamos também: blueberries caríssimas para eu fazer muffins cheios de “coisas roxas no meio”; jabuticabas, porque “elas são muito fofas” e uma caixa de bombons, porque ” eu quero e meu irmão já escolheu muita coisa”.

Tudo no carrinho, a pior parte da história: os caixas lotados. Filas intermináveis. Ficamos, enquanto aguardávamos, conversando e olhando todas as coisas que ficam expostas perto da saída: revistas, esmaltes, escovas de dentes, aparelhos de barbear, balas e chocolates. De repente, um grito, no meio de todo mundo:
– MAMÃE O QUE É IMPOTÊNCIA?
Hã? O quê? Onde está escrito isto? Meu filho, do outro lado, em frente ao local onde os cigarros são vendidos, esperava uma resposta. Fiquei roxa de constrangimento e, enquanto todos me olhavam, eu o trouxe para perto e perguntei por que ele havia gritado aquilo.
– É que está escrito ali ó: O Mi-nis-té-rio da Saúde a-d-ver-te: Cigarro causa impotência.

Expliquei para os dois que a palavra designa o estado de uma pessoa meio “down”, meio “fraquinha”. Eles se contentaram com a explicação e me perguntaram mais 468.392 coisas sobre os malefícios do hábito de fumar. Depois de uma explicação que durou o tempo da fila e de eles olharem TODAS as propagandas advertindo sobre o risco do fumo (fetos mortos, cadáveres, peles enrugadas e outros horrores), me perguntaram por fim:
– E por que, então, tem gente que fuma, se cigarro faz tão mal?

Aí é que a coisa ficou complicada de explicar. E de entender. Só posso chegar à conclusão de que as crianças, algumas vezes, são mais espertas do que os adultos sabichões. E menos complicadas. Se isto, então aquilo, sem rodeios e coisas complexas. As razões são simples e as respostas diretas. Além disso, dão nó em pingo d’água facilmente.

Os meus, pelo menos, dão. E escondem as pontas.

Publicado por Ana Bittencourt

Não sou escritora, nem blogueira. Apenas escrevo, eventualmente, em verso ou prosa. Meus textos são todos autorais.

6 comentários em “Coisas de crianças

  1. Analu, que barato!!! Criança diz cada coisa muito engraçada mesmo! Os meus também já me colocaram em cada uma… Numa ocasião, estávamos no elevador com uma senhora, quando a Laura pergunta em alto e bom som: \”Mãe, por que ela tem bigode?\”. Bem, não preciso nem dizer que queria pular no buraco do elevador… Beijo, querida!

    Curtir

Deixar mensagem para Analu Bittencourt Cancelar resposta